quinta-feira, 30 de julho de 2020

LENDA DE ACOITRAPA E CHUQUILHANTO

    Na cordilheira que fica em cima do vale de Yyucay, em Cusco, pode-se ouvir todos os sons. O vento sopra com sua bocarra; a manhã, obrigada a se levantar sempre antes dos outros, boceja morta de sono; os pássaros, seus eternos namorados, acordam cantando ao ouvi-la se espreguiçar. De repente, silêncio. Acaba de chegar Acoitrapa, o pastor de lhamas. Ele é jovem e belo. Toca a quena* tão docemente, que até as flores mais tímidas se abrem e despontam entre os galhos das árvores para escutá-lo.
    Certa vez, as duas filhas do sol passaram perto de seu rebanho. Encantadas com a música, se aproximaram para ver quem tocava tão bem assim aquele instrumento.
    O pastor ficou deslumbrado ao vê-las. Os três conversaram e riram, sem se preocupar com o correr das horas. Quando o sol se escondeu, as jovens, com muita pena, precisaram se despedir. O pai permitia que passeassem pelo vale, porém ai delas se não chegassem em casa antes do anoitecer!
    Chuquilhanto, a mais velha, se sentiu mais triste que sua irmã. Sem saber como, se apaixonara por Acoitrapa.
    Chegando ao palácio, Chuquilhanto não quis comer. Correu para o quarto, a fim de ficar sozinha. Deitou-se, fechou os olhos, ficou se lembrando de seu doce pastor, e então adormeceu.
    Em sonhos, viu um belo rouxinol que cantava suave e harmoniosamente. Falou-lhe, então, de seu amor e de seu medo: temia que seu pai considerasse um guardador de lhamas muito pouco para uma filha do sol.
    O rouxinol, comovido pela aflição da jovem, lembrou-lhe que no palácio havia quatro fontes de água cristalina: se ela se sentasse no meio delas cantando o que o seu coração sentia, e as fontes lhe respondessem com a mesma melodia, significava que poderia fazer sua vontade e que seus desejos seriam atendidos.
    Chuquilhanto acordou. Lembrava-se perfeitamente do sonho. Vestiu-se depressa e foi aos jardins do palácio. Ali estavam as fontes, dando de beber à manhã.
    Seguindo as instruções do passarinho, Chuquilhanto sentou e começou a cantar uma triste melodia. As fontes entenderam a sua angústia e manifestaram isso cantando em uníssono, consentindo, portanto, em ajudá-la Chamaram a chuva e ordenaram-lhe que transmitisse ao pastor o carinho que Chuquilhanto sentia por ele.
    A chuva saiu a cântaros do palácio, em direção à choupana de Acoitrapa. Ao encontrá-lo, banhou-lhe o coração com a imagem da jovem.
    O pastor, com o peito traspassado pela saudade da princesa, se pôs a tocar sua quena, com tanta tristeza, que até as frias pedras se comoveram. Desolado, compreendeu que o sol jamais permitiria que a filha se casasse com um pobre guardador de lhamas.
    Mas, que cansada estava sua alma de tanto sonhar com Chuquilhanto! Assim, adormeceu com a quena apertada entre os dedos.
    Ao anoitecer, chegou sua mãe. Vendo os olhos do filho cobertos de lágrimas, pressentiu o que estava acontecendo. Como boa velhinha, sabia que um homem só chora dormindo quando está longe de sua amada.
    A velhinha não suportava ver o filho sofrer. Pensando num modo de aliviá-lo, lembrou-se de um velho bastão mágico que herdara de seus antepassados e que serviria perfeitamente a esse propósito. Então, arquitetou um plano; ordenou ao filho que fosse para a montanha, que se ocupasse do rebanho.
    Enquanto isso, Chuquilhanto despertara com os primeiros raios de sol. Agora sentia o coração otimista, os pés leves e um só desejo: encontrar seu amado.
    Apostando corrida com o vento, chegou à choupana de Acoitrapa. Ao ver que ele não estava, seus olhos se encheram de lágrimas. Tratou de disfarçar sua tristeza e se dirigiu à velhinha, que a olhava com atenção:
    — Boa velhinha, tudo na senhora é belo! Jamais vi um basta semelhante a esse que está em suas mãos. Suas pedras preciosas nada têm a invejar dos campos de flores e brilham como a lua cheia.
    — Minha filha — respondeu-lhe a velha —, os seus olhos sabem apreciar o que é belo. De agora em diante, este bastão é seu, sei que o deixo em boas mãos.
    Chuquilhanto agradeceu e, acariciando as alvas tranças da senhora, recebeu o bastão.
    — Obrigada, boa senhora!
    — Adeus, Chuquilhanto — despediu-se a velhinha.
    — Que o amor a acompanhe!
    Chuquilhanto fez o caminho de volta ao palácio.
    Quando cruzou a porta, os guardas, notando a tristeza em seus olhos, se perguntaram em voz baixa:
    — O que estará acontecendo com a princesa que, mesmo possuindo tantas riquezas, tem tanta melancolia?
    Quando, por fim, ficou sozinha em seu quarto, pôs o bastão de lado, se atirou na cama e caiu num pranto desconsolado, pensando em seu pastor.
    De súbito, que susto! Que surpresa! Alguém a chamava pelo nome! Acendeu a lamparina, com cuidado para não fazer o menor ruído, e viu que o bastão mudava de cor: do rosa ao prateado, do verde ao vermelho, laranja, azul e mil tons diferentes. A voz que a chamava provinha do bastão, não havia dúvida.
    — Não se assuste — disse-lhe. — Sou o bastão mágico do amor. Minha missão é unir e proteger os que se amam e sofrem por estar separados.
    Chuquilhanto já não sentia medo. Ao contrário, estava maravilhada. Então, o bastão mágico se abriu como uma flor, no centro da qual apareceu Acoitrapa. Ela se aproximou, abraçaram-se, beijaram-se e, cobrindo-se com finas mantas, dormiram juntos.
    Ao alvorecer, temendo o castigo do sol, os jovens amantes fugiram do palácio. Mas um guarda os viu sair e imediatamente avisou o pai de Chuquilhanto.
    Furioso, o sol se pôs à testa de um grande exército e partiu atrás dos fugitivos. Estes, de longe, escutavam sua voz irada apressando os soldados.
    Depois de se distanciarem do sol e de suas tropas, esgotados pela longa corrida, os jovens pararam para descansar. Sentados sob a folhagem de um altíssimo eucalipto, se olharam: havia amor em seus olhos. Sabendo-se perdidos, porque cedo ou tarde o sol os alcançaria, fizeram um último pedido ao bastão mágico:
    — Transforme-nos em pedra. Assim, nada nem ninguém poderá nos separar.
    O bastão, cuja única missão era unir os que se amam, realizou o último desejo do casal.
    E ainda hoje, perto do povoado de Calca, existem duas estátuas de pedra, que os habitantes da região chamam Pitu Sirai. São Chuquilhanto e Acoitrapa, amando-se para sempre.

*quena: Flauta tradicional de várias regiões dos Andes.

1. Na lenda acima, verifica-se que o maior impedimento dos dois jovens ficarem juntos é:
a. O fato de serem seres diferentes: ele, humano, pastor de ovelhas; ela, filha do sol.
b. Por pertencerem a reinos distintos: ele morava no vale; ela, no palácio junto com o pai.
c. Porque a mãe de Acoitrapa era muito ciumenta e não permitia o casamento do filho.
d. O não consentimento do pai de Chuquilhanto, por Acoitrapa ser um pastor de ovelhas.
=> O trecho do texto que comprova isso é: "Falou-lhe, então, de seu amor e de seu medo: temia que seu pai considerasse um guardador de lhamas muito pouco para uma filha do sol."

2. Muitas histórias de amor, como na leda acima, tratam sobre personagens impedidos de ficarem juntos, devido:
a. ao preconceito social: por pertencerem a classes sociais diferentes.
b. a aparência física: porque são personagens considerados estranhos.
c. a moradia: vivem e pertencem a mundos completamente diferentes.
d. a ciúmes: porque os pais são extremamente egoístas e controladores.
=> O principal impedimento para a realização do amor entre os dois jovens é o fato de eles pertencerem a classes sociais distintas, como comprova o trecho: "o sol jamais permitiria que a filha se casasse com um pobre guardador de lhamas". Não é pelo fato de ela ser filha de um deus, e ele ser um humano; ou por questões de aparência física, moradia ou ciúmes dos pais.

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