A MORTE DO LIVRO
Ferreira Gullar
A morte do livro como veículo da literatura já foi profetizada várias vezes na chamada época moderna. E não por inimigos da literatura, mas pelos escritores mesmos. Até onde me lembro, o primeiro a fazer essa profecia foi nada menos que o poeta Guillaume Apollinaire, no começo do século 20.
Entusiasmado com a invenção do gramofone (ou vitrola), acreditou que os poetas em breve deixariam de imprimir seus poemas em livros para gravá-los em discos, com a vantagem - segundo ele, indiscutível - de o antigo leitor, tornado ouvinte, ouvi-los na voz do próprio poeta. [...]
De qualquer modo, Apollinaire, que foi um bom poeta, revelara-se um mau profeta, já que os poetas continuaram a se valer do livro para difundir seus poemas enquanto o disco veio servir mesmo foi aos cantores e compositores de canções populares, [...].
O mais recente profeta do fim do livro é o romancista norte-americano Philip Roth, que, numa entrevista, fez o prenúncio. Na verdade, ele anunciou o fim da própria literatura e não por falta de escritores, mas de leitores. Certamente, referia-se a certo tipo de literatura, pois obras de ficção como "O Código Da Vinci" e "Harry Potter" alcançam tiragens de milhões de exemplares em todos os idiomas.
Outro fenômeno que contradiz a tese de que as pessoas leem cada vez menos é o crescente tamanho dos "best-sellers": ultimamente, os volumes ultrapassam as 400 ou 500 páginas, havendo os que atingem mais de 800. Tais dados põem em dúvida, mais uma vez, as previsões da morte do livro e da literatura. [...]
A visão simplificadora consiste em não levar em conta alguns fatores que estão ocultos, mas atuantes
na sociedade de massa: fatores qualitativos que a avaliação meramente quantitativa ignora. Começa pelo fato de que são as obras literárias de qualidade, e não as que constituem mero passatempo, que influem na construção do universo imaginário da época. É indiscutível que tais obras atingem, inicialmente, um número reduzido de leitores, mas é verdade também que, através deles, com o passar do tempo, influem sobre um número cada vez maior de indivíduos - e especialmente sobre aqueles que constituem o núcleo social irradiador das ideias.
Costumo, a propósito desta discussão, citar o exemplo de um livro de poemas que nasceu maldito: "As Flores do Mal", de Charles Baudelaire, cuja primeira edição, em reduzida tiragem, data de 1857. Naquela mesma época havia autores cujos livros alcançavam tiragens consideráveis, que às vezes chegavam a mais de 30 mil exemplares. Esses livros cumpriram sua missão, divertiram os leitores e depois foram esquecidos, como muitos "best-sellers" de nossa época. Enquanto isso, o livro de poemas de Baudelaire - cuja venda quase foi proibida pela Justiça -, que vem sendo reeditado e traduzido em todas as línguas, já deve ter atingido, no total das tiragens, muitos milhões de exemplares. O verdadeiro "best-seller" é ele ou não é? [...]
(Folha de São Paulo, 19/03/2006. Extraído de Vestibular ESMP 2016)
6. Assinale a alternativa abaixo que indica qual a tese central defendida pelo autor do texto acima.
a. Os livros virtuais irão prevalecer sobre os livros físicos.
b. A literatura de massa vende extraordinariamente.
c. Os livros físicos serão substituídos pelos virtuais.
d. A literatura é o tipo de arte mais consumida no mundo.
e. A literatura não irá acabar por falta de leitores.
=> O autor Ferreira Gullar contesta as pessoas que profetizam o fim dos livros, e traz como argumentos o fato de os livros "best-sellers" terem cada vez mais páginas, terem ótimas tiragens e serem vendidos para muitos países.
7. Retire do texto acima três argumentos que o autor emprega para defender o ponto de vista dele.
a. Argumento 1: os poemas não deixaram de ser impressos em livros com a criação do gramofone
b. Argumento 2: os livros "best-sellers" alcançam tiragens de milhões de exemplares todos os anos e crescem cada vez mais de tamanho, chegando a 500 ou 800 páginas
c. Argumento 3: os livros de qualidade podem não alcançar muitas pessoas inicialmente, mas com o passar do tempo, influem sobre um número cada vez maior de indivíduos
8. Assinale a alternativa em que há um argumento que NÃO reforça a ideia principal defendida por
Ferreira Gullar:
a. Os best-sellers têm número de páginas cada vez maior.
b. Alguns best-sellers, a exemplo de "Harry Potter", são muito vendidos.
c. Apollinaire dizia que o livro deixaria de ser veículo de literatura.
d. Os best-sellers são vendidos para muitos países.
e. Há livros vendidos que chegam a ter mais de 800 páginas.
=> Esse argumento defendido pelo poeta Apollinaire é contestado no texto por Gullar, visto que essa "profecia" acabou não se cumprindo.
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